CLÁUSULAS ABUSIVAS
1.Introdução
Nos relacionamentos de consumo, o contrato com frequência não é resultado de uma negociação equitativa, sendo frequentemente imposto de maneira unilateral pelo fornecedor, forçando o consumidor a aceitá-lo na íntegra — os conhecidos contratos de adesão. Nesse contexto, torna-se essencial oferecer proteção legal contra cláusulas consideradas abusivas, que impõem deveres desproporcionais ou afetam direitos básicos do consumidor. Este estudo tem como objetivo examinar o conceito, a base legal e a abordagem jurisprudencial atribuída às cláusulas abusivas dentro do sistema jurídico brasileiro.
2.Conceito e Fundamento Legal das Cláusulas Abusivas
As disposições contratuais abusivas são regras impostas unilateralmente pelo fornecedor que, devido ao desequilíbrio na relação de consumo, resultam em danos consideráveis ao consumidor. Essas cláusulas, comumente encontradas em contratos de adesão, restringem direitos básicos, impõem obrigações desproporcionais ou restringe garantias legais. A sua identificação é realizada com base nos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, fundamentos do Direito Contratual atual.
O artigo 51° do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/1990) lista uma série de cláusulas exemplificativas que são consideradas nulas de pleno direito, incluindo:
• Cláusulas que exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza nos produtos e serviços;
• Cláusulas que transfiram responsabilidade a terceiros, afastando o dever legal do fornecedor;
• Cláusulas que imponham renúncia de direitos fundamentais do consumidor, tais como o direito à reparação de danos, à informação e à proteção contratual;
• Cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, criando obrigações desproporcionais ou onerosas.
A abusividade precisa ser examinada de forma concreta, levando em conta o conteúdo da cláusula, o contexto do contrato e a condição de vulnerabilidade do cliente.
Rizzatto Nunes (2021) ressalta:
“Não basta a formalidade da assinatura para validar um contrato. É necessário que as cláusulas estejam em conformidade com os princípios da equidade, da boa-fé e da função social, para que possam produzir efeitos válidos no mundo jurídico.”
Além do artigo 51°, o artigo 6°, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor estabelece como direito fundamental do consumidor a defesa contra termos abusivos ou obrigatórios na oferta de produtos e serviços. Por outro lado, o artigo 47° estabelece que as cláusulas devem ser interpretadas em favor do consumidor, reforçando o princípio in dubio pro consumidor.
A abusividade pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, de acordo com o parágrafo 1° do artigo 51° do CDC, sem a necessidade de requerimento da parte prejudicada, isto demonstra a natureza pública da proteção consumerista, outro aspecto relevante é a clareza e a eficiência da informação, a falta de transparência na redação de cláusulas pode, por si só, configurar abusividade, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a aplicação dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato tem como objetivo assegurar que a autonomia privada não seja usada como um instrumento de opressão ou exploração, sendo assim, a interpretação contratual deve levar em consideração o comportamento das partes, a lealdade negocial e os efeitos sociais da contratação.
Dessa forma, o ordenamento jurídico brasileiro tem como objetivo prevenir práticas abusivas, promover o equilíbrio contratual e proteger a parte hipossuficiente - o consumidor - nas relações de consumo massificadas da atualidade.
3.Jurisprudência sobre Cláusulas Abusivas
A jurisprudência brasileira tem papel essencial na efetivação dos direitos do consumidor. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversos precedentes, afirma a nulidade de cláusulas que violem os princípios do CDC:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL C/C CONSIGNATÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. CAPITALIZAÇÃO. JUROS REMUNERATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. 1 - [...]. 3 - Consoante a jurisprudência desta Corte de Justiça, a prática de capitalização mensal de juros em contratos de mútuo civil, firmado, como é o caso, com construtora, constitui prática vedada em nosso ordenamento, porque a ré não se equipara a instituição financeira (artigo 2º da Medida Provisória nº 2.172/ 32 de 23 de agosto de 2001, vigente por força da EC nº 32), admitindo-se, apenas, a capitalização anual. 4 - Considerando que os juros aplicados no contrato foram de 1% ao mês, não há que se falar em onerosidade ou abusividade, mormente considerando que a legalidade deste percentual se encontra prevista no Código Civil. 5 - [...]. RECURSOS APELATÓRIOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. (TJGO, Ap nº XXXXX20168090051, 6a Câmara Cível, Rel. Des. Jeová Sardinha de Moraes, j. 28-2-2019, sem grifos no origina
Essa decisão demonstra a aplicação concreta do art. 51° do CDC e reforça o dever do Judiciário em zelar pelo equilíbrio contratual.
4. Função Social do Contrato e Boa-fé Objetiva
O reconhecimento da cláusula abusiva decorre também da análise dos princípios contratuais modernos, como a função social do contrato, prevista no art. 421 do Código Civil, e a boa-fé objetiva, expressa no art. 422 do mesmo diploma. Tais princípios impõem condutas éticas nas relações jurídicas, impedindo o abuso de direito e a imposição de obrigações desproporcionais.
Segundo Filomeno (2022), “a análise da abusividade não deve se restringir ao texto contratual, mas considerar o comportamento das partes, o contexto econômico e a vulnerabilidade do consumidor”.
5. Conclusão
As cláusulas abusivas representam grave ameaça à proteção do consumidor e à justiça contratual. Embora o Código de Defesa do Consumidor preveja mecanismos eficazes para coibir tais práticas, é imprescindível a atuação ativa do Poder Judiciário e a conscientização dos consumidores. A nulidade das cláusulas abusivas visa restabelecer o equilíbrio das relações e garantir o respeito à dignidade da parte vulnerável no contrato.
6. Referências Bibliográficas
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm
NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2172-32.htm
https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/clausulas-abusivas-ao-consumidor-sao-nulas